A filosofia dos afetos

A filosofia dos afetos se coloca a pensar os afetos, as emoções e as paixões a partir de um viés reflexivo, pensando como eles constituem nossa subjetividade, nossos modos de vida e a relação que estabelecemos com os outros e o mundo. Entende os afetos não apenas como forças passivas, mas enquanto potências ativas que influenciam a maneira como pensamos, agimos e nos relacionamos.

Baruch Spinoza (1632-1677) foi um dos primeiros filósofos a se dedicar sistematicamente a estudar os afetos. Em sua obra "Ética" (1677), ele apresentou um entendimento sobre os afetos no sentido de variações em nossa potência de agir, podendo aumentar ou diminuir essa potência. Em seu entendimento, o aumento de nossa potência de agir é caracterizado pela alegria, e sua diminuição pela tristeza. 

Segundo ele, os afetos são variações na potência de agir do indivíduo, podendo aumentar essa potência, por meio de afetos ativos ou diminuí-la, por conta dos afetos passivos. Diferente das emoções, que costumam ser entendidas como subjetivas, os afetos se caracterizam pelos modos de relação entre os sujeitos e os pensamentos.

Spinoza entendia a alegria como o aumento da potência de agir, e a tristeza como a diminuição da potência de agir, sendo o desejo uma condição fundamental no ser humano que o impulsiona à ação. Os afetos passivos acontecem quando somos afetados por algo externo, sem compreender o que aconteceu (ex.: medo, ódio ou inveja), nos tornando vulneráveis. Os afetos ativos ocorrem quando compreendemos as causas dos afetos e podemos agir sobre eles (ex.: amor racional, generosidade e alegria).

A filosofia dos afetos de Spinoza tem um caráter prático, seu objetivo é entender como funcionamos afetivamente para não sermos escravizados pelas paixões tristes. Ele sugeria um caminho para aumentar os afetos alegres e, com isso, ampliar nossa potência de agir - trata-se de conhecer as causas do que nos afeta, possibilitando transformar afetos passivos em ativos.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) destacava o papel dos afetos na constituição da moral e da cultura. Ele criticou a tradição filosófica que desprezava os afetos e o corpo, propondo uma filosofia da afirmação da vida, caracterizada pelas forças do desejo, da vontade de potência e de criação. Em seus textos, tratava os afetos enquanto intensidades, que podem ser potencializadoras ou reativas.

Nietzsche criticou a tradição filosófica e a moral tradicional que privilegiava a razão e desprezava os afetos. Segundo ele, os afetos eram forças vitais características da vontade de potência, e não algo a ser reprimido. De acordo com o filósofo, os afetos não são bons ou ruins em si, mas expressam relações de forças. A moral cristã e a metafísica platônica tentaram domesticar os afetos, nos tornando fracos e ressentidos, resultando numa negação dos afetos.

O filósofo alemão distinguia dois tipos de afetos: os afetos ativos, que nos fortalecem e expandem, e os afetos passivos, que nos enfraquecem e nos contraem. Os afetos ativos expressam uma afirmação da vida e da diferença, onde podemos pensar a alegria dionisíaca, a criação, a coragem e o amor fati. Os afetos reativos são ressentidos e negam a vida, tais como a inveja, a culpa e o medo.

Sua ética se baseava na intensidade da vida ao invés da repressão dos desejos, defendendo a transmutação dos valores por meio da arte e da experimentação. Deste modo, os afetos podem nos servir como possibilidades de criação de novos valores e novos modos de vida, por isso não devem ser controlados pela moral, mas compreendidos e cultivados como forças de criação e transformação.

Gilles Deleuze (1925-1995), influenciado por Spinoza e Nietzsche, criou uma filosofia dos afetos relacionando com a diferença, as intensidades e a experiência. Junto com Félix Guattari, propôs um entendimento dos afetos como forças que atravessam os corpos, que se conectam com outras forças e criam novas possibilidades de existência.

Para Deleuze, o afeto não é uma emoção subjetiva, mas uma intensidade que atravessa os corpos e transforma a experiência. Segundo ele, há uma distinção entre afeto e sentimento. Afeto é uma  força impessoal, que não pertence a um sujeito específico, como a sensação de vertigem antes de um salto; já o sentimento é uma interpretação pessoal de um afeto, tal como o medo ao sentir vertigem.  

O corpo é entendido por Deleuze como um campo de forças e intensidades, onde diferentes afetos se entrecruzam e geram novas configurações, um campo onde os afetos podem ser potencializados para experimentar e compor novas formas de vida. A subjetividade não é algo fixo, mas composta por multiplicidades afetivas, conectando corpos de maneiras distintas e inesperadas.  

Deleuze buscava um pensamento da diferença, não representacional, contrariando o entendimento dos afetos como representações psicológicas, mas percebendo enquanto forças produtivas e criativas. Pensar os afetos é pensar a própria subjetividade, como nos tornamos quem estamos sendo. Segundo ele, a prática filosófica deve potencializar encontros que ampliem nossa potência de afetar. 

Numa perspectiva ampla, a filosofia dos afetos permite compreender como os afetos configuram nossos modos de viver e encontrar meios para potencializar os afetos ativos e diminuir os passivos, promovendo uma vida mais potente e afirmativa. Podemos compreender nossas paixões e desejos sem sermos dominados pelos afetos tristes, criando novos valores e afirmando a vida em vez de sucumbir ao ressentimento, explorando outros modos de existência, concebendo o corpo como um campo de intensidades.

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