A problemática do diagnóstico psi

A psicologia e psiquiatria tradicional, com sua ênfase na categorização e nomeação de transtornos mentais, pode desconsiderar a complexidade do sofrimento emocional e as singularidades da experiência de cada um. O diagnóstico psiquiátrico muitas vezes rotula e estigmatiza os indivíduos, reduzindo suas vivências a categorias abstratas e universalizantes, que pouco ou nada dialogam com suas experiências, com sua história de vida, contexto e relações.

O diagnóstico possui uma série de problemáticas que vão além de seu intuito clínico. A preocupação em dar um nome ao sofrimento emocional nem sempre reflete a complexidade da experiência subjetiva de um indivíduo e de sua dor. Esta prática transforma geralmente o diagnóstico num mecanismo de controle e disciplina, perpetuando estigmas e alienando o sujeito de si mesmo e da sociedade.

A prática diagnóstica atua como dispositivo de controle ao conferir uma "identidade" ao sofrimento, que passa a ser percebido como uma entidade autônoma e independente da pessoa que o vivencia, reforçando estigmas, descontextualizando o sofrimento de suas condições de emergência - as dimensões sociais, econômicas, culturais e políticas, tornando este um problema individual a ser psicologizado e tratado.

O diagnóstico em psicologia não corresponde a uma realidade objetiva, mas a uma convenção teórica que categoriza a experiência humana de sofrimento em termos padronizados e universalizantes. Longe de captar a complexidade da vida emocional e existencial de cada pessoa, o diagnóstico frequentemente opera como uma identidade que simplifica a experiência, tentando organizar o que escapa à lógica e à uniformidade.

A redução do sofrimento a um rótulo, escamoteia as condições concretas que produzem e sustentam as dores psíquicas. Questões como um trabalho explorador, condições precárias de vida, desigualdade social, violências estruturais e precarização das relações humanas não são consideradas no diagnóstico. Em vez de atuar sobre as raízes do sofrimento, a prática diagnóstica costuma oferecer soluções paliativas, que não atuam sobre suas causas.

Além disso, os critérios diagnósticos carecem de fundamentação científica sólida. Baseados em listas de comportamentos padronizados, os diagnósticos psiquiátricos negligenciam a subjetividade de cada indivíduo, sua história e o contexto em que seus sintomas emergiram. A particularidade de um sofrimento pessoal e contextual, é substituída por uma abstração categórica e generalizante, deixando de lado a singularidade daquele que sofre.

O uso de diagnósticos também gera a algumas pessoas um sentimento de exclusão social, isolamento e à perda de autoestima. Para muitos, ser diagnosticado é receber um "certificado de anormalidade" que afasta das possibilidades de compor outros modos de existência e resistir aos desafios de sua condição. O diagnóstico transforma-se, assim, num aprisionamento simbólico, que impede a construção de caminhos mais livres e criativos para lidar com o sofrimento.

Sua tendência a objetificar a experiência da pessoa, como se pudesse ser reduzida a uma condição fixa, negligencia que o sofrimento psíquico é um processo mutável, resultante de relações sociais e dos ambientes onde o sujeito está inserido. Muitos profissionais deixam de exercitar uma sensibilidade que poderia se aproximar de seu paciente, reforçando a hierarquia, onde o saber psiquiátrico se impõe de forma unilateral, deixando ao paciente o papel de receptor passivo de uma verdade que lhe é alheia.

Além disso, o impacto do diagnóstico vai além do consultório, reverberando nas relações familiares e sociais, fazendo com que a pessoa passe a ser percebida como "esquizofrênica", "depressiva" ou "autista" em seu ciclo social. Pais e familiares, muitas vezes, escondem ou rejeitam a pessoa diagnosticada por vergonha, enquanto o próprio indivíduo internaliza a exclusão e o rótulo, alienando-se de si.

Tanto a antipsiquiatria quanto a psicologia crítica colocam em questão os diagnósticos psiquiátricos, sua crítica propõe uma mudança no modo como concebemos e lidamos com o sofrimento emocional, abandonando a lógica da patologização para uma abordagem que privilegie uma escuta sensível e respeitosa. Em vez de buscar enquadrar a pessoa em categorias pré-determinadas, é preciso reconhecer a complexidade de suas experiências, considerando suas peculiaridades.

Neste sentido, o louco não deve ser silenciado ou adaptado, mas escutado, permitindo que sua experiência revele novos sentidos e perspectivas. Criticar o diagnóstico é também criticar as estruturas que o sustentam: o modelo médico-hegemônico, as instituições alienantes e os preconceitos que desumanizam aqueles que vivem à margem da norma. É necessário um movimento que valorize a singularidade de cada sujeito, que os escute sem coagir, que os compreenda sem rotular.

Esse movimento crítico não sugere uma negação do sofrimento ou de sua gravidade, mas propõe justamente um cuidado mais compreensivo, entendendo saúde emocional como um processo contextual, inseparável das condições de vida e das relações sociais e culturais. Mais do que tratar sintomas, é preciso ampliar espaços que acolham diferentes modos de vida, promovendo o diálogo e incentivando a construção de novos sentidos e possibilidades de existir.

A classificação diagnóstica pode ser útil para determinados fins práticos, como a comunicação entre profissionais ou a organização de tratamentos, mas ela jamais deve substituir o reconhecimento da experiência subjetiva e única de cada indivíduo. Quando o diagnóstico é tomado como uma verdade, em vez de uma convenção, ele desvia o foco do essencial: o sofrimento emocional tal como é experienciado pela pessoa.

Cuidar de uma pessoa em sofrimento é um desafio que exige sensibilidade, criatividade e um compromisso ético. Quando abandonamos o paradigma que reduz o sofrimento a uma categoria sintomática, passamos a reconhecê-lo como expressão de uma experiência única, que merece ser escutada e compreendida em sua profundidade e complexidade. Por isso é urgente uma crítica aos diagnósticos psiquiátricos, de modo a considerar a liberdade e a dignidade de cada ser humano.

A dor psíquica não é uma categoria universal, mas uma experiência profundamente singular. Ela não se encaixa facilmente em quadros clínicos pré-determinados, por ser constituída pelas histórias de vida, pelas relações, pelos contextos socioculturais e pelas condições existenciais de cada indivíduo. Cada pessoa vivencia seu sofrimento de maneira única, e é essa vivência que deveria ocupar o centro do trabalho em psicologia, não os critérios formais que tentam classificá-la.

Ao rotular alguém, pode-se cristalizar um estado transitório ou dinâmico como uma identidade fixa, negando a possibilidade de transformação do sofrimento. O mais importante, portanto, não é o diagnóstico, mas a escuta cuidadosa e aberta à experiência de quem sofre. O encontro com a singularidade do outro exige uma postura de acolhimento e compreensão, que valorize a dimensão existencial de sua dor, buscando fazer algo novo e distinto dela.


Referências:
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COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Tradução: Regina Schnaiderman. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982.
HEATHER, Nick. Perspectivas Radicais em Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
SERRANO, Alan Indio. O que é Psiquiatria Alternativa. São Paulo: Brasiliense, 1992.

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