O que é Psicologia Crítica?

Psicologia Crítica é uma perspectiva que questiona os pressupostos, práticas e intuitos da psicologia tradicional. Mais do que uma disciplina científica, a psicologia desempenha um papel na formação de subjetividades e na manutenção de modos de vida. A perspectiva crítica em psicologia se coloca a problematizar as "verdades" estabelecidas pela psicologia hegemônica, analisando suas relações com as estruturas de poder e suas implicações nos indivíduos e na sociedade.

A psicologia hegemônica e institucionalizada é influenciada por ideais eurocêntricos e pelo capitalismo neoliberal. Esta ciência se apresenta como neutra e objetiva, no entanto, sua prática revela alinhamentos ideológicos que reforçam normas sociais dominantes e a manutenção de relações de poder. Diagnósticos e intervenções, muitas vezes descontextualizados, acabam por patologizar o sofrimento humano sem considerar os fatores históricos, culturais e sociais que o produzem.

"A psicologia crítica é uma forma de dar um passo atrás e olhar para a disciplina da psicologia. Em vez de tomar como certo o que os psicólogos dizem, a psicologia crítica vira o olhar e analisa reflexivamente o que os psicólogos estão a fazer – como determinam o nosso comportamento, a forma como pensamos e as formas como especificam diferentes tipos de perturbações para nós."
(Ian Parker)

Por questionar os pressupostos, práticas e consequências da psicologia tradicional, a psicologia crítica oferece um contraponto a essa tendência. Diferente da abordagem tradicional, que frequentemente se alinha aos interesses de manutenção da ordem social, a psicologia crítica busca desnaturalizar as relações de poder que moldam os sujeitos, expondo como a ciência psicológica é utilizada como ferramenta de controle e normalização das subjetividades.

Enraizada numa visão individualista e a-histórica do ser humano, a psicologia hegemônica negligencia os contextos culturais, sociais e políticos que configuram a formação da subjetividade. Essa abordagem, predominantemente representada pela psicologia clínica tradicional, patologiza o sofrimento humano ao desconsiderar as dinâmicas estruturais e contextuais que o produzem. Entre as principais críticas, podemos mencionar:

  • Críticas à patologização dos diferentes modos de vida;
  • Uso da psicologia como instrumento de normatização e repressão de comportamentos desviantes;
  • Redução do sofrimento psíquico a categorias biológicas, ignorando aspectos subjetivos, sociais e históricos;
  • Questionamento dos padrões normativos que limitam a criação de novos modos de existência;
  • Crítica ao distanciamento da experiência vivida em prol de categorizações e generalizações;
  • Denúncia do foco excessivo em técnicas e diagnósticos que ignoram a singularidade da experiência;
  • Contestação da ideia de que a psicologia é neutra, apontando seu envolvimento com a moralidade e estruturas de poder;
  • Rejeição da separação entre sujeito e sociedade, defendendo uma análise integrada;
  • Crítica à imposição de modelos psicológicos europeus e norte-americanos como universais, rejeitando outras culturas e saberes;
  • Questionamento do uso da psicologia como ferramenta de controle cultural e homogeneização.
  • Segundo o filósofo francês Michel Foucault, a psicologia e a psiquiatria funcionam como dispositivos de controle social, normatizando o que é considerado "adequado" e evitando e qualquer comportamento entendido como "inadequado". Esse procedimento transforma os consultórios em espaços de disciplinamento da subjetividade, onde o sofrimento é tratado de forma reducionista, ignorando suas relações contextuais e dinâmicas de poder.

    É preciso colocar em questão o exercício de poder psicológico e psiquiátrico sobre as pessoas. A loucura não é uma patologia a ser eliminada, mas uma expressão da experiência humana. A subjetividade se constitui em constante interação com contextos sociais e históricos, não há um sujeito isolado e universal. Os modos de pensar, sentir e agir são influenciados por contextos sociais, históricos e culturais.

    A psicologia crítica propõe uma ruptura com as abordagens normativas e tecnicistas, propondo práticas que contextualizem o sofrimento humano, levando em consideração as dimensões históricas, sociais e culturais que o constituem; valorizando a diversidade, rejeitando ideais normativos de saúde mental e acolhendo formas de vida divergentes, promovendo a emancipação das pessoas, rompendo com estruturas e dinâmicas de poder.

    Deste modo, a perspectiva crítica oferece uma alternativa à perspectiva hegemônica em psicologa, contrariando os dispositivos de controle e normatização, acolhendo a diferença e possibilitando outros modos de vida. Sua prática valoriza a singularidade e possibilita outros modos de vida, adotando uma atitude reflexiva e questionadora, que visa não apenas compreender, mas transformar as condições que perpetuam o sofrimento emocional.
     

    Referências:
    BOCK, Ana M.; GONÇALVES, Maria da G.; FURTADO, Odair. (orgs). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2015.
    COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Lisboa: Edições 70, 1972.
    FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Vozes, 2014.
    FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2012.
    PARKER, Ian. Revolução na psicologia: da alienação à emancipação. Campinas, SP: Alínea, 2014.
    SZASZ, Thomas. O Mito da Doença Mental. São Paulo: Ibrasa, 1974.

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