Essência no platonismo e na fenomenologia

Há uma grande diferença entre a noção de "essência" no platonismo e em grande parte da tradição filosófica do ocidente, para com o conceito de "essência" para a fenomenologia, na modernidade. Para ambos se trata de um princípio fundamental, por isso é importante destacar suas distinções. 

No platonismo, a essência é entendida como uma ideia ou forma eterna e imutável, presente no mundo das ideias, que existe independentemente do mundo sensível. Essas formas são arquétipos perfeitos que fundamentam e dão sentido às coisas do mundo. Essas essências estão num domínio metafísico, separado da realidade empírica.

As essências são eternas, perfeitas e não estão sujeitas a mudanças. Nesta perspectiva, a verdadeira sabedoria consiste em conhecer essas essências, que são acessadas apenas por meio da razão, e não pelos sentidos, que apenas apreendem cópias imperfeitas das essências.

Nesta perspectiva, as essências estão no topo de uma hierarquia ontológica perante as coisas. A essência do "bem" é a entendida como suprema, que ilumina todas as outras. A essência de "beleza", para Platão, é a Beleza em si, que todas as coisas percebidas como belas tentam se aproximar dela.

Diferente do entendimento platônico, na fenomenologia, a essência refere-se ao que faz um fenômeno ser o que é em sua estrutura fundamental, sendo acessada através da experiência direta e intencional da consciência, quando suspendemos os pressupostos e julgamentos prévios sobre um fenômeno (epoché).

Ao contrário do platonismo, para a fenomenologia a essência não transcende o mundo sensível, mas é acessada justamente na experiência do fenômeno. Deste modo, a essência não é um arquétipo imutável, mas uma estrutura que emerge da relação entre o sujeito e o objeto na experiência vivida.

A fenomenologia se preocupa menos com o "lugar" metafísico da essência, ou com suas características formais, e mais com o "como" ela aparece e é experienciada. A essência de "beleza" na fenomenologia seria aquilo que surge como uma experiência no contato direto com objetos ou situações belas, sem buscar um arquétipo transcendente.

No platonismo a essência transcendente ao mundo sensível, sendo imutável e universal, na fenomenologia ela é inerente ao fenômeno experienciado, situada na experiência concreta. No platonismo ela é acessada por meio da contemplação racional das formas, na fenomenologia por meio da redução fenomenológica e da descrição, buscando compreender seu significado no mundo vivido.

Enquanto no platonismo a essência é uma realidade metafísica, um "modelo" eterno das coisas, na fenomenologia ela é o que se manifesta na experiência, acessada através da redução fenomenológica. Enquanto Platão busca verdades universais e imutáveis além do mundo sensível, a fenomenologia prioriza o modo como as essências aparecem na consciência, enraizada na experiência vivida.


Referências bibliográficas:

PLATÃO. A República. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.

PLATÃO. O Banquete. Tradução de J. A. Segurado e Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica. Tradução de Paulo Afonso de Souza. 2. ed. São Paulo: Ideias e Letras, 2006.

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