O senso comum frequentemente simplifica a compreensão dos comportamentos humanos, atribuindoa eles causas predominantemente fisiológicas, como fatores biológicos ou hormonais. Embora a fisiologia desempenhe um papel importante, essa abordagem reduz o indivíduo a um conjunto de reações automáticas, negligenciando as complexas interações entre condições históricas, sociais, familiares e subjetivas.
Entender o comportamento humano está para além da fisiologia, por ser um fenômeno multifacetado e complexo, onde a fisiologia é apenas uma das variáveis entre muitas outras, frequentemente mais influentes, como as condições históricas, o contexto social e familiar, e as questões subjetivas.
Os comportamentos humanos não podem entendidos isoladamente do contexto histórico em que a pessoa está inserida. Cada época estabelece entendimentos, normas, valores, práticas e disposições que influenciam as ações e escolhas individuais. Essa dimensão histórica contextualiza e redefine as interações sociais, mostrando que o comportamento não pode ser explicado apenas por impulsos fisiológicos.
Por exemplo, o comportamento esperado de um indivíduo em relação ao trabalho no século XXI é profundamente moldado pelo capitalismo neoliberal, pela competitividade e pelas transformações tecnológicas. Na Idade Média a relação com o trabalho não estava relacionada à competitividade, ao acúmulo ou ao desempenho do trabalhador.
Compreender os comportamentos de uma pessoa demanda também olhar para as condições sociais onde esta pessoa está inserida. A sociedade é uma das principais influências dos comportamentos humanos. Normas, papéis sociais e estruturas de poder exercem uma influência profunda sobre o modo como as pessoas agem e interagem.
Diferenças comportamentais entre gêneros ou classes sociais são frequentemente interpretadas como naturais, quando na realidade são resultantes de dinâmicas sociais e culturais. Pierre Bourdieu, em sua teoria do habitus, destaca como as disposições culturais internalizadas orientam nossas práticas e preferências, evidenciando a centralidade da dimensão social na constituição dos comportamentos.
As interações familiares também desempenham um papel crucial nos comportamentos de um indivíduo. A família é o primeiro espaço de socialização, onde os indivíduos aprendem valores, normas e modos de se relacionar com os outros e com o mundo. Questões como dinâmicas de afeto, maneiras de lidar com conflitos e de se comunicar influenciam diretamente os comportamentos de uma pessoa.
Uma criança que cresce num ambiente familiar violento ou agressivo pode desenvolver padrões de comportamento defensivos e agressivos, que não podem ser entendidos unicamente por meio de fatores biológicos ou hormonais.
Além das condições históricas e sociais, temos também a subjetividade. Cada indivíduo interpreta o mundo de maneira única, com base em suas experiências, desejos, medos e aspirações. A subjetividade não é um elemento secundário, mas uma dimensão estruturante que confere significado às ações humanas.
Embora a fisiologia não deva ser descartada, é preciso situá-la em um contexto mais amplo. Processos biológicos, como a produção de hormônios ou a atividade neuronal, fornecem condições para a certos comportamentos, mas não determinam as ações humanas.
Uma pessoa pode apresentar alterações fisiológicas devido ao estresse, mas as causas desse estresse muitas vezes estão ligadas a fatores sociais, históricos ou familiares. Inclusive, o modo como esta pessoa reage a condições de estresse está atrelado aos modelos familiares, históricos e sociais.
As condições históricas, sociais e familiares desempenham um papel central nos comportamentos, atitudes e escolhas de uma pessoa, influenciando profundamente a subjetividade e a experiência individual.
Compreender o comportamento humano requer uma abordagem ampla, complexa e integrativa, reconhecendo a interação entre fatores fisiológicos, históricos, sociais, familiares e subjetivos. Se proirizamos apenas a fisiologia, corremos o risco de desumanizar os indivíduos, ignorando sua complexidade e singularidade.
Referências
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