Psicologia Crítica é uma perspectiva que questiona os pressupostos, práticas e intuitos da psicologia tradicional. Mais do que uma disciplina científica, a psicologia desempenha um papel na formação de subjetividades e na manutenção de modos de vida. A perspectiva crítica em psicologia se coloca a problematizar as "verdades" estabelecidas pela psicologia hegemônica, analisando suas relações com as estruturas de poder e suas implicações nos indivíduos e na sociedade.
A psicologia hegemônica e institucionalizada é influenciada por ideais eurocêntricos e pelo capitalismo neoliberal. Esta ciência se apresenta como neutra e objetiva, no entanto, sua prática revela alinhamentos ideológicos que reforçam normas sociais dominantes para a manutenção de relações de poder. Diagnósticos e intervenções, muitas vezes descontextualizados, acabam por patologizar o sofrimento humano sem considerar os fatores históricos, culturais e sociais que o produzem.
"A psicologia crítica é uma forma de dar um passo atrás e olhar para a disciplina da psicologia. Em vez de tomar como certo o que os psicólogos dizem, a psicologia crítica vira o olhar e analisa reflexivamente o que os psicólogos estão a fazer – como determinam o nosso comportamento, a forma como pensamos e as formas como especificam diferentes tipos de perturbações para nós."
(Ian Parker)
Questionando os pressupostos, práticas e consequências da psicologia tradicional, a psicologia crítica oferece um contraponto à essa tendência. Diferente da abordagem tradicional, que frequentemente se alinha aos interesses de manutenção da ordem social, a psicologia crítica busca desnaturalizar as relações de poder que moldam os sujeitos, expondo como a ciência psicológica é utilizada como ferramenta de controle e normalização das subjetividades.
Enraizada numa visão individualista e ahistórica do ser humano, a psicologia hegemônica negligencia os contextos culturais, sociais e políticos que configuram a formação da subjetividade. Essa abordagem, predominantemente representada pela psicologia clínica tradicional, patologiza o sofrimento humano ao desconsiderar as dinâmicas estruturais e contextuais que o produzem.
De acordo com o filósofo francês Michel Foucault, a psicologia e a psiquiatria funcionam como dispositivos de controle social, normatizando o que é considerado "adequado" e evitando e qualquer comportamento entendido como "inadequado" socialmente. Esse processo transforma os consultórios em espaços de disciplinamento da subjetividade, onde o sofrimento é tratado de forma reducionista, ignorando sua relação com relações contextuais e dinâmicas de poder.
Movimentos como a antipsiquiatria, no final dos anos 1960, tendo como representantes David Cooper, Ronald Laing e Thomas Szasz, ecoaram as preocupações de denunciar a medicalização da vida e o exercício de poder psicológico e psiquiátrico sobre as pessoas. Segundo esses críticos, a loucura não é uma patologia a ser eliminada, mas uma expressão da experiência humana, relacionada a contextos de opressão e exclusão. Esse movimento defende práticas que respeitem a autonomia e acolham a diversidade.
A perspectiva sócio-histórica, influenciada por autores como Lev Vygotsky e Ignacio Martín-Baró, entende que a subjetividade se constitui em constante interação com contextos sociais e históricos. Essa visão rejeita a noção de um sujeito isolado e universal, destacando que modos de pensar, sentir e agir são influenciados por contextos sóciais, históricos e contextos culturais. A psicologia deve ser uma ferramenta de transformação social, comprometida com a emancipação.
A Psicologia Crítica propõe um distanciamento da abordagem normativa e tecnicista, sugerindo práticas que contextualizem o sofrimento humano, levando em conta as dimensões históricas, sociais e culturais que o produzem; valorizem a diversidade, rejeitando ideais normativos e acolhendo formas de vida divergentes; e promovam a emancipação e a autonomia, rompendo com práticas que reforcem a dependência ou a medicalização da vida.
A perspectiva crítica oferece uma alternativa à psicologia hegemônica, desafiando dispositivos de controle e acolhendo a diferença, possibilitando outros modos de vida, ao invés de manter uma normativa. Deste modo, abre espaço para uma prática que acolhe a singularidade e possibilita outros modos de vida, adotando uma atitude reflexiva e questionadora, que visa não apenas compreender, mas transformar as condições que perpetuam o sofrimento emocional.
BOCK, Ana M.; GONÇALVES, Maria da G.; FURTADO, Odair. (orgs). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2015.
COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Lisboa: Edições 70, 1972.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Vozes, 2014.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 2012.
PARKER, Ian. Revolução na psicologia: da alienação à emancipação. Campinas, SP: Alínea, 2014.
SZASZ, Thomas. O Mito da Doença Mental. São Paulo: Ibrasa, 1974.