Acredito que uma terapia com base na filosofia de Friedrich Nietzsche parte de uma genealogia dos afetos, visando uma revisão de como nos relacionamos com nós mesmos, com os outros e com os lugares que frequentamos, permitindo experimentar outras maneiras de se colocar na vida, se direcionando para uma transmutação dos valores, afirmando a vida e ampliando nossa potência de agir.
Em sua filosofia, Nietzsche retoma o valor dos afetos e do corpo, entendendo que são favoráveis para uma vida mais intensa e potente. Segundo ele, a saúde não é um estado de ausência de sofrimentos, mas a possibilidade de emocionar-se diante da vida e reagir aos afetos e desafetos, criando e assumindo modos de vida e valores que ampliam e potencializam a própria vida.
Sua perspectiva propõe a uma reavaliação dos afetos e dos valores a partir de nossas próprias experiências, constatando aqueles que ampliam nossa potência de agir e os que diminuem ou despotencializam a vida. Esta avaliação é pessoal, pois o que potencializa uma pessoa pode bloquear outra. Fazer este procedimento possibilita perceber onde direcionar nossos impulsos para ampliar nossa potência de agir.
"Desde que me cansei de procurar, aprendi a encontrar; Desde que o vento me opõe resistência, velejo com todos os ventos."
(Nietzsche, em 'A Gaia Ciência')
Uma terapêutica em Nietzsche não parte de um modelo de saúde ou doença, mas propõe um diagnóstico sobre como levamos a vida, reconhecendo a capacidade de cada um para transformar seus valores e expandir sua existência, afirmando a vida em sua beleza e em seu caos, experimentando riscos e loucuras criadoras, usando a vivência do sofrimento para potencializar nossa experiência de saúde.
Deste modo, tal terapêutica não pretende evitar os sofrimentos, nem nos afastar daquilo que adoece, mas utilizar as dores e as tristezas como dispositivos para a ampliação de nossa experiência de saúde. É preciso transmutar a condição de sofrimento para gerar uma abundância de saúde. A saúde é conquistada a partir das dificuldades e dos sofrimentos, e não por meio de sua evitação.
A saúde, para Nietzsche, tem relação com a capacidade de colocar os afetos em movimento, experimentando e criando outros modos de vida, superando os momentos de dificuldades e se recriando constantemente, transformando os sofrimentos em potência e afirmação, em direção de maneiras mais salutares e potentes de existir.
"De fato, assim me aparece agora aquele longo tempo de doença: descobri a vida e a mim mesmo como que de novo, saboreei todas as boas e mesmo pequenas coisas, como outros não as teriam sabido saborear — fiz da minha vontade de saúde, de vida, a minha filosofia..."
(Nietzsche, em 'Ecce Homo')
Tal terapêutica não busca uma saúde ideal ou a evitação dos sofrimentos, mas uma incorporação e transformação da doença, de modo a criar novos modos de ser, querer, sentir e pensar. Esta terapêutica propõe tomar contato com suas medidas e diagnosticar a si mesmo: seus sintomas e suas decadências, possibilitando a elaborar e experimentar suas próprias receitas de cura, afirmando-se como se é.
O papel do terapeuta não é indicar um caminho, mas possibilitar a tomada de contato com os afetos e desafetos de uma pessoa, para o encontro e criação de novas maneiras de lidar com estes, buscando caminhos que ampliam sua potência de agir e modos de vida mais salutares, a partir de sua própria avaliação, de modo que se aproprie de suas peculiaridades, potencializando sua existência.
"Pois não existe uma saúde em si, e todas as tentativas de definir tal coisa fracassaram miseravelmente. Depende do seu objetivo, do seu horizonte, de suas forças, de seus impulsos, seus erros e, sobretudo, dos ideais e fantasias de sua alma, determinar o que deve significar saúde também para seu corpo. Assim, há inúmeras saúdes do corpo."
(Nietzsche, em ‘A Gaia Ciência’)
Para essa terapêutica utilizo como referência obras de Friedrich Nietzsche, como: Ecce Homo, A Gaia Ciência, Genealogia da Moral, Assim falou Zaratustra, Além de Bem e Mal e Aurora, além de autores que refletem tal temática, como: "Nietzsche como psicólogo", de Oswaldo Giacóia, "Nietzsche, vida como obra de arte", de Rosa Dias, "Afirmar-se com Nietzsche", de Balthasar Thomass, e "O sofrimento como redenção de si: doença e vida nas filosofias de Nietzsche e Pascal", de Thiago Calçado.